A intervenção foi considerada eficaz para profissionais de enfermagem que enfrentam condições de trabalho desafiadoras
Longas horas de plantão, risco de doenças, desvalorização, baixos salários e pressões de gênero são as principais causas de estresse e ansiedade | Foto: Dviulgação
Um estudo recente, conduzido por uma equipe multidisciplinar e publicado na revista Insights in Nursing Practice, investigou como a prática de mindfulness – conhecida como atenção plena – pode reduzir a ansiedade e o estresse em profissionais de enfermagem. Realizado por pesquisadores de diferentes institutos da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), o estudo empregou revisão sistemática e metanálise – técnica estatística que permite combinar resultados de diversas pesquisas – para avaliar os resultados de estudos anteriores.
Em outubro de 2022, uma busca foi conduzida em sete bases de dados, incluindo Web of Science e Scopus, resultando inicialmente em 861 artigos. Após uma triagem rigorosa, 14 estudos foram selecionados para a revisão sistemática: três da Austrália, dois dos Estados Unidos, um de Portugal, dois da China, dois do Brasil, três da Malásia e um de Taiwan. A metanálise cobriu 13 desses estudos, todos realizados em ambiente hospitalar, com exceção de um que envolveu profissionais de saúde de uma casa de repouso (Long-Term Care).
Dos 14 estudos revisados, dez focaram exclusivamente em enfermeiros. Os outros quatro foram divididos da seguinte maneira: um incluiu enfermeiros e técnicos de enfermagem, outro envolveu auxiliares de enfermagem, técnicos e enfermeiros, um terceiro concentrou-se em auxiliares de enfermagem certificados, enquanto o último contou apenas com técnicos de enfermagem como participantes, totalizando 818 profissionais na revisão sistemática.
“Além de estudos robustos sobre o adoecimento de trabalhadoras de enfermagem e o aumento da utilização da prática do mindfulness, percebeu-se a importância de explorar esse tipo de intervenção para o manejo da ansiedade naquele grupo, combinando as duas frentes de pesquisa anteriores”, explica Karen de Oliveira Santana, especialista em saúde mental e psiquiátrica pela Faculdade de Medicina da USP (FM-USP) e mestranda em cuidado em saúde pela Escola de Enfermagem (EE-USP)
Além de Karen, a equipe de pesquisa é composta por Caroline Figueira Pereira e Divane de Vargas, docentes da Escola de Enfermagem (EE-USP); Roni Robson da Silva, mestrando e Manuela Silva Ramos, graduada. Entre as autoras principais estão Maria Neyrian de Fátima Fernandes, professora adjunta no Departamento de Enfermagem da UFMA, e Edilaine Cristina da Silva Gherard-Donato, doutora em enfermagem psiquiátrica e professora titular na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP-USP).
Ainda segundo Karen Santana, a atenção plena envolve focar deliberadamente no momento presente, sem julgamentos, para observar sensações físicas, pensamentos e sentimentos sem reações automáticas. Essa prática inclui meditações, exercícios respiratórios e outras formas de desenvolver autoconsciência.
“Isso possibilita uma pausa entre o estímulo e a resposta, o que favorece pensar conscientemente antes de agir. As técnicas de respiração e meditação promovem o relaxamento físico e mental, ajudando a aliviar a tensão relacionada à ansiedade e ao estresse e contribuindo para uma maior consciência das próprias necessidades”, afirma.
Embora a prática de mindfulness possa ajudar a reduzir a ansiedade e o estresse entre os profissionais de enfermagem, isso não elimina ou substitui as demandas e responsabilidades práticas e específicas do trabalho de enfermagem.
“Sendo majoritariamente feminina, a enfermagem também sofre com as dinâmicas de gênero. Além das exigências no ambiente de trabalho, muitas profissionais ainda precisam lidar com as demandas domésticas culturalmente atribuídas às mulheres, exacerbando ainda mais o desgaste.”
Segundo o relatório "Depression and Other Common Mental Disorders: Global Health Estimates" da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil tem a maior proporção de pessoas ansiosas em relação à sua população total (9,3%). Santana enfatiza: “Melhorar a qualidade de vida da equipe de enfermagem significa também melhorar a qualidade do cuidado prestado à população”.
Os resultados da metanálise mostraram uma diminuição significativa da ansiedade e do estresse com a prática de mindfulness. A intervenção foi considerada eficaz para profissionais de enfermagem que enfrentam condições de trabalho desafiadoras, como longas horas, risco de doenças, desvalorização, baixos salários e pressões de gênero.
“É possível manejar os sintomas de ansiedade e estresse nesse grupo, mas é preciso também considerar o que gera tais sintomas”, ressalta a psiquiatra. Fonte: Fapesp