"Não sabemos se daqui a alguns bilhões de anos as órbitas vão permanecer como são hoje”, destaca o astrofísico Jonathan Blazek.
Um sistema de três corpos de massas semelhantes que interagem gravitacionalmente tornam o movimento difícil de prever | Foto: Adobe Arte
O problema dos três corpos é um dos desafios matemáticos mais complexos da física clássica, na tentativa de prever o comportamento de três corpos de massas semelhantes que interagem gravitacionalmente. O entendimento de sistemas estelares triplos, ou um sistema composto por uma estrela mais seus planetas seriam exemplos de problemas de três corpos.
A teoria da gravitação de Newton, formulada em 1687, ajudou a descrever as forças de atração entre dois corpos e levou a muitas descobertas importantes. Por exemplo, Newton foi capaz de prever de forma muito acurada o movimento da Terra em torno do Sol e o da Lua ao redor da Terra.
A grande questão é se é possível prever, com precisão, a posição e a velocidade desses corpos em um instante futuro, dada sua configuração inicial de posição, velocidade e massa.
Na maioria dos casos, a resposta para esse problema é: não. Quando se trata de um sistema de três objetos com massas semelhantes, o sistema se torna não-determinístico e caótico, o que significa que não é possível fazer predições precisas sobre o movimento do sistema e, além disso, que pequenas mudanças nas condições iniciais podem levar a resultados finais muito diferentes. Isso ocorre devido às complexas interações gravitacionais entre os três corpos. Cada um deles exerce uma força gravitacional sobre os outros dois, e essas forças variam constantemente dependendo das posições e das massas dos objetos, tornando o movimento do sistema difícil de prever.
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No passado, matemáticos como Henri Poincaré tentaram resolver essas questões sem sucesso completo, mas suas contribuições lançaram as bases para a teoria do caos. Em casos específicos, como o problema restrito dos três corpos, onde um dos corpos é muito menor do que os outros dois, a situação é mais simples e pode ser analisada com mais detalhes. Os pontos de Lagrange são posições de equilíbrio onde as forças gravitacionais dos dois corpos maiores e a força inercial percebida em um referencial rotativo se equilibram. Esses pontos são úteis para posicionar satélites e outros objetos espaciais. Nesses locais, a combinação das forças gravitacionais e a força inercial permite que um satélite ou outro objeto permaneça relativamente estável em relação aos dois corpos maiores.
Outro exemplo que pode ser abordado como um problema restrito de três corpos é o sistema Sol-Terra-Lua. A Lua, por ter uma massa menor que a do Sol e a da Terra, não afeta significativamente a interação gravitacional entre nosso planeta e nossa estrela. Mas, mesmo assim, podemos observar efeitos gravitacionais da Lua sobre a Terra, como as marés oceânicas ou mesmo o retardo na rotação de nosso planeta: a Terra atrasa 2,3 milissegundos a cada século devido à interação com a Lua. Ou, os dias terrestres, no passado, eram mais curtos do que são hoje!
Entender a dinâmica de sistemas de três corpos e prever com precisão a evolução de um sistema gravitacional envolvendo três corpos poderia revelar detalhes significativos sobre a evolução do Universo, já que a estabilidade dos sistemas orbitais, como o Sistema Solar, pode ser perturbada por interações entre os corpos celestes ao longo de bilhões de anos. “Não sabemos se daqui a alguns bilhões de anos as órbitas vão permanecer como são hoje”, destaca à BBC o astrofísico Jonathan Blazek, em um artigo da Northeastern University, nos EUA, sugerindo a possibilidade de uma certa instabilidade que poderia alterar a configuração atual do sistema solar.
Compreender esses sistemas pode ser útil também para desvendar a formação e fusão de buracos negros, processos ainda complexos e em estudo, como explica à BBC o astrofísico Chris Lintott, professor da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Lintott, astrofísico e professor da Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Com os avanços em tecnologia e computação, podemos agora simular e entender melhor essa complexa dança dos corpos celestes, o que é essencial para o entendimento da estabilidade de sistemas planetários, a navegação espacial e a exploração do nosso Universo. Contudo, o problema dos três corpos ainda não possui uma solução geral, sendo que apenas abordagens estatísticas e simulações numéricas são possíveis atualmente. Por isso, o estudo contínuo desse fenômeno é fundamental para expandir nosso entendimento do cosmos e melhorar a precisão das previsões sobre a evolução dos sistemas orbitais. No Brasil, temos um dos maiores pesquisadores sobre o tema no mundo, o Prof. Sylvio Ferraz Mello, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP. Ele vem estudando há muitos anos o fenômeno de ressonância em sistemas de muitos corpos, e, nos últimos anos, tem se dedicado também no estudo da estabilidade de sistemas exoplanetários, ou seja, de planetas que orbitam outras estrelas além do nosso Sol.
Contribuição: Douglas Galante, cientista, astrobiólogo e professor do Instituto de Geociências da USP